Crise em Israel vai além de reforma do Judiciário e aprofunda cisão da sociedade
Dois punhos cerrados estão por toda parte em Tel Aviv. O chamado para a mobilização contra o projeto de reforma judicial proposto pelo premiê Binyamin Netanyahu é feito não em lambe-lambes improvisados, mas em outdoors imensos e espaços publicitários de pontos de ônibus e canteiros centrais de avenidas.
Um dos slogans nesses cartazes sustenta que "é obrigatório se opor à divisão do povo", de modo que o que se depreende do movimento recente de protestos em Israel é o risco de aprofundamento da cisão de uma sociedade já polarizada ao extremo.
Críticos ao texto dizem que ele mina o equilíbrio entre Poderes, ao permitir, por exemplo, que o Parlamento derrube decisões da Suprema Corte em votações com maioria simples e ao alterar a composição da comissão que indica juízes ao tribunal. Na quarta (15), apresentando um texto alternativo na busca de um meio-termo, o presidente Isaac Herzog disse que o momento está no limiar de uma guerra civil.

O plano B de Herzog, cujo posto é mais simbólico que executivo, foi rechaçado por Netanyahu, para quem a proposta não corrige distorções atuais. Nesta quinta (16), na Alemanha, o premiê criticou a oposição por se recusar a negociar e sinalizou que até pode revisar parte do texto, mas por conta própria. Herzog já disse que vê a situação como "ponto sem retorno", e de manifestantes, diplomatas e militares com quem conversou em Israel, a reportagem da 💥️Folha ouviu termos de tom semelhante.
O país vive, segundo essas várias interpretações, uma tempestade perfeita. Além dos riscos externos sempre presentes, um conjunto de mudanças demográficas dentro de casa —a ascensão de novas elites, um perfil mais à direita na população e um espaço crescente para a religião nos espaços de poder— chegou a um ponto de ebulição.
Há, no caso da reforma, um agravante fulcral: a conclusão da tramitação no Parlamento é esperada para as próximas duas semanas, quando há um temor de que a coincidência dos feriados do Ramadã muçulmano (que começa em 24 de março), do Pessach judaico (5 de abril) e da Páscoa cristã (9 de abril) volte a elevar tensões com os palestinos.
Diplomatas do Qatar e da Jordânia empreenderam esforços de dissuasão neste mês.💥️ Nesta sexta (17), um palestino de 23 anos foi morto depois de supostamente atacar soldados de Israel. Na quinta (16), uma operação das forças de defesa israelenses matou quatro pessoas em Jenin, na Cisjordânia, e dias antes um suspeito de ligação com o Hizbullah carregando explosivos foi morto no norte de Israel.
Para além desses riscos de segurança, o desdobramento de uma eventual aprovação da reforma em si também pode gerar uma espiral em que freios e contrapesos institucionais dariam lugar a um desafio entre Poderes. Isso porque a expectativa é de que a Suprema Corte considere as mudanças ilegais —o julgamento pode levar ao menos seis meses.
"Não sabemos como isso funcionaria. A polícia, as Forças Armadas e os cidadãos devem se pautar pela lei. E quem será a lei então?", diz Nadav Galon, líder do grupo Crime Minister, um dos que têm saído às ruas. Pela 11ª semana seguida, este sábado (18) terá nova mobilização nacional, com a expectativa de que o público supere as 500 mil pessoas —segundo os organizadores— do dia 11.
A reportagem acompanhou um ato na semana passada, em Tel Aviv, no qual manifestantes carregavam velas, "para representar a luz da democracia contra a escuridão que o governo quer impor", como explicou o universitário Or, 27.
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